Naquele altura, não sabia direito se era um sonho ou um pesadelo! No dia seguinte a inesquecível experiência de passar uma noite com os nômades, eu vencia a última pirambeira da Cordilheira Atlas, para entrar definitivamente, no maior e mais desafiador deserto do mundo, o Saara. Mais uma vez, meu sonho de dar a volta ao mundo de bicicleta, me colocava frente a frente com um grande desafio.
A cordilheira é um dos limites do deserto, já que as nuvens pesadas vindas do oceano não conseguem transpô-la. Ainda lá em cima da montanha, onde o verde predomina, a vista era apavorante. O forte vento varria a areia formando uma enorme nuvem de poeira sobre o monocromático ocre do deserto. Era possível sentir o bafo quente do vento! Excitado pela longa descida, onde a velocidade ultrapassava 60 km⁄h, me lembrava das dificuldades que enfrentei nos desertos da Mongólia, Israel e Jordânia, quando a temperatura ultrapassou 50⁰ C. Sem falar nos escassos pontos de apoio, recapitulando em meus pensamentos, todos cuidados a serem tomados. Um pitada de sofrimento antecipado! E aquela velha pergunta me atormentando: O que estou fazendo aqui?
Mas por outro lado, cruzar o maior, mais quente e temido deserto do mundo, é um desafio que excita qualquer aventureiro! Eu gosto de testar os meus limites, (de vez em quando… kkkk), pois sei que cada obstáculo ultrapassado, me deixa mais forte! A experiência ajuda nessas horas! E tudo aquilo que já enfrentei, associado ao fato de não estar só, me trazia confiança.
É… mas bastou um pequeno acidente na descida para me lembrar que toda experiência do mundo não é garantia de sucesso. Vários tipos de imprevistos podem aparecer, e estava certo que apareceriam… é a rotina de uma viagem de bike! Atropelei um abelha que me ferroou na cabeça, em uma das aberturas do capacete. Nada grave! Mas isso foi o alerta que precisava para não baixar a guarda! Presta atenção moleque! Foco! Dizia para mim mesmo, lembrando do meu cunhado que sempre me alerta com essa palavra!
Em Guelmim, cidade apelidada de “A porta do deserto”, Jordi e eu fizemos uma bela refeição, ajustamos nosso estoque de água e comida e seguimos, com vento em popa, até a boca da noite, onde acampamos em uma escola.
Alí, conforme minhas pesquisas, tive a certeza que o vento seria um aliado na grande maioria dos dias, e assim se fez! Nunca andei tão rápido! Nossa média até agora no deserto foi de 98 km por dia. Bárbaro!
Nos primeiros 12 dias no Saara, não fez muito calor! Mas em uma incrível coincidência, assim que cruzamos o Trópico de Câncer, o bicho pegou! E a partir de então, se esconder do sol na parte mais quente do dia passou a ser inevitável!
Basicamente, o deserto é monótomo, com paisagens cansativas até. Isso muda um pouco quando a estrada ganha um pouco de sinuosidade e ondulação ou quando beira o Atlântico.
O Saara marroquino, diferente dos outros desertos que atravessei, é mais habitado e o movimento na estrada é maior. Fomos parados algumas vezes por turistas curiosos que sempre contribuem com nosso estoque de água. Basicamente são europeus de férias com motor-home ou motoqueiros que são atraídos pela rota Paris ⁄ Dakar.
Teve um dia que ficamos sem água. O posto que contávamos para nos reabastecer estava abandonado. Aí, fiz sinal para um caminhoneiro com minha caramanhola em mãos. Pumba! O motorista parou na hora! Em uma das raras montanhas desse trecho, ao alcançar o topo, outro caminhoneiro com seus ajudantes nos convidaram para almoçar e tomar e chá! Para quem me segue aqui no blog, lembra do polvo que ganhei em uma vila de pescadores. Se viajar de bike inspira solidariedade, em lugares remotos como o Saara, a ajuda é ainda mais presente.
Em outro vilarejo de pescadores, onde a estrada passa bem ao lado, fiz sinal para duas mulheres, perguntando onde poderia achar comida. Ela fez sinal com as mão para que eu esperasse um minuto e foi chamar o marido. Ele veio, com um sorriso aberto, falando que poderíamos almoçar com eles. Nos levou para dentro de casa, nos deu comida, abrigo do sol e ainda compartilhou um pouco de sua história de vida com a gente. Um momento emocionante onde pudemos buscar em uma simples conversa, momentos de sua vida passada. Uma das mulheres era sua irmã. Que arranhava bem o espanhol… as lembraças culminaram no momento que acharam uma foto dos tempos de criança. Vi emoção nos olhos deles! Me emocionei também… De barriga cheia, voltei ao pedal feliz, sabendo que ao relembrar uma emoção esquecida no passado, pudemos retribuir o favor que nos fizeram.
E talvez seja esse o grande barato da vida! As lembranças… colecionar emoções!
Devido a monotonia da estrada, fui procurar distração nas pequenas sutilezas do enorme deserto. Abaixo, segue um pouco da fauna e flora do Saara. Imagens que fiz nas pequenas parada para o xixi! A primeira vista, o deserto é inóspito, mas olhando com mais cuidado, encontra-se muita vida! Basta a umidade trazida pelo oceano ou pequenas cuhvas para a vida florescer. O chão é forrado de pequenos insetos como aranhas, formigas, carrapatos e besouros, e meu amigo…. os mosquitos são um inferno! Milhões! Em todos os lugares!!!
O vento que ajuda muito quando estamos pedalando, atormenta a nossa vida em todos os outros momentos, nos obrigando a cozinhar dentro da barraca, correr atrás de coisas que ele carrega e prestar atenção para não se molhar na hora de fazer xixi. Em uma vacilada, quando estava desmontando a barraca, cometi um erro grave que resultou em uma vareta quebrada! Mas você não disse que é experiente e coisa e tal? É irmão.. eu disse sim!!! Essa barraca me acompanha desde o Projeto Noruega by Bike (2011). Já montei e desmontei-a, chutando baixo, 350 vezes! (O Projeto da Noruega by Bike durou 100 dias, e o Da China Para Casa By Bike já ultrapassou 1200 dias). Mas também cometo erros infantis, mesmo com toda e experiência do mundo! Fiz uma besteira!!! (Entende-se por cagada!). Pô! Quantas vezes já armei e desarmei a barraca? Onde vou conseguir repor a minha vareta, se nem loja para comprar outra barraca existe por aqui? Bom, dei uma remendada e vou seguir viagem… acho que o remendo aguenta por mais um tempo! Esse são os “imprevistos e erros” que comprovam que a experiência ajuda, mas não garante nada, e que não somos infalíveis! Mas que fiquei puto com meu erro… ahhhh se fiquei!
O que me consolou um pouco, foi ter encontrado um pobre chinês que vinha na direção contrária, se “esfarfando”, para vencer o vento. Daí pensei… poderia ser pior… boraaa!!!!!
A polícia e o exército nos para em todas as barreiras. São os chamados check points! Diferente de outras áreas militarizadas que atravessei, pelo menos por aqui eles não pedem para tirar tudo dos alforjes. Apenas registram dados do passaporte e fazem interrogatório sobre destino, procedência, profissão e tudo mais… No geral são amigáveis. Para chegar em Dakla, uma importante cidade situada em uma península já no sul do país, seria necessário fazer um desvio de 40 km, que ida e volta se transformariam em 80 km. Sendo assim, metade contra o vento. Então, decidimos seguir viagem até o vilarejo seguinte e de lá, pegamos um táxi coletivo para voltar e visitar a cidade. Tivemos dificuldades em achar um lugar seguro para deixar as bicicletas, mas no final tudo deu certo. Deixamos as bicicletas em um posto. No dia seguinte, depois de dar a visita em Dakla por encerrada, fomos ao mesmo ponto que o táxi nos deixou com a esperança de achar um outro, para voltar ao posto onde estavam as bikes. Acontece que o preço da corrida triplicou, pois não havia mais ninguém para dividir os custos. Então, lembrei do policial que fez questão de deixar seu numero de telefone dizendo para eu ligar se houvesse algum problema. E ele resolveu nosso problema de maneira incrível! Foi nos buscar com a viatura policial, nos levou até o posto onde deixamos as bicicletas e ainda nos ofereceu o almoço.
Nas pequenas vilas, tive oportunidade de fazer algumas fotos mostrando a simplicidade e o cotidiano dos habitantes.
Quando deixamos Dakla, nosso objetivo passou a ser alcançar a fronteira entre Marrocos e Mauritânia. E quando chegamos lá, embora soubesse que o pior trecho do Saara estava do outro lado, fiquei feliz com o nosso desempenho até agora.
Atravessar a Mauritânia em duas rodas será sem dúvida alguma, um grande desafio. As dificuldades que enfrentamos até aqui se somam a extrema pobreza, falta de saneamento básico, ainda menos pontos de apoio e todos os mistérios que um dos países mais pobres do mundo, com uma cultura completamente diferente da nossa pode oferecer.
Sobe na garupa e vamos juntos!
Respostas de 8
Que riqueza de detalhes Aurélio!!!
Parabéns!!!
Pude viajar pelo Saara, com seus relatos e tb com as fotos excelentes que vc tirou!!!Como sempre digo, vc atrai pessoas boas em seu caminho.
Mauritânia, estamos esperando!!!
Ah, uma perguntinha que não quer calar: tem asfalto no Saara inteiro?
Boa sorte e estamos firmes na sua garupa!!!
Obrigado pelo carinho Claudia! Continue na garupa… bj para os meninos e um especial pra vc! Saudade!
Muito boa sorte para essa nova etapa mauritana! Grande abraço fraterno para vós, Aurélio e Jordi, daqui de Macau!
Obrigado Mário, um forte abraço para vc também!
BOM dia filho querido !! muito claro nos relatos !!!!!lindas fotos bjs saudade
Obrigado mãe. Muita saudade. Te amo. Bj
Isso aí muleke, foco!
Sempre né meu!!! Saudade!