Com o repouso forçado devido ao acidente, tive tempo para pesquisar e pude entender um pouco mais sobre o Estado de Uttar Pradesh, até então, o único que conhecia na Índia, e fazer as minhas reflexões para entender o porquê que as informações que recebi das pessoas que viajaram pela Índia de bike, não estavam batendo com aquilo que eu estava vendo e vivendo.
Apenas Gio e Marco, uma dupla de italianos que conheci na Austrália, onde pedalamos juntos por alguns dias, disseram que nunca mais voltariam para Índia. Era a mesma impressão que eu vinha tendo! Mas apenas eles cruzaram o estado de Uttar Pradesh.
Todos os outros com quem conversei passaram por rotas diferentes. Abaixo, vou tentar explicar um pouco o porquê. Fiquei impressionado com os números que encontrei na internet.
Uttar Pradesh é o estado mais populoso do mundo e o mais pobre da Índia, com uma população quase igual a do Brasil. Isso mesmo! Mais de 210 milhões de habitantes com um crescimento populacional de 26% em 10 anos! A população dobra em menos de 40 anos! Densidade populacional de 850 pessoas por km²! É mole?!
Um dos estados mais sagrados e o mais místico da Índia, é berço da religião Hindu, onde 80% da população são alinhados em uma fé, que é no mínimo muito longe da minha realidade. Muita gente vive na miséria, enfrentando sérios problemas de moradia, saneamento básico, educação e saúde.
Posso afirmar que viajar de bicicleta neste estado nesta época do ano é super complicado! Foram mais de 1.100 km entre a divisa com o Nepal até Nova Deli! Incrivelmente plano, sem uma única subida (apenas leve inclinação das pontes e viadutos), Uttar Pradesh testou os meus limites com vários tipos de perrengues acontecendo ao mesmo tempo! No começo foi difícil aceitar, gerando uma grande batalha entre eu e meus tabus. Depois de algum tempo, e com a ajuda de Juyti e Aman, meus anjos da guarda depois do acidente, fui me familiarizando com as coisas e aceitando mais. Nos dois últimos dias antes de chegar em Deli, o cenário teve uma ligeira melhora.
Uma névoa de poeira cobre o estado, que associado ao calor de 52° C, chega a sufocar! A estratégia é pedalar bem cedo e de tardinha! No entanto, muitas vezes foi melhor continuar pedalando do que parar! Isso mesmo! Ao parar, o ventinho cessa, e a transpiração aumenta muito! Mina água pela cabeça, principalmente, e se não encontrar um ventilador para ficar embaixo está danado! No início cheguei a me irritar com as pessoas também! Ao estacionar a bike, dezenas se aproximam e não dão 5 centímetros de espaço! Eles colam de uma maneira que também sufoca! Muito perto! Um calor extremo, sedento, e os caras ali, quase encostando o nariz no meu!
Quando tentei cozinhar para me livrar dos riscos de comer nos restaurantes de beira de estrada, quase perdi a paciência! Se vou pegar as panelas na bike, 30 me seguem! Se agacho para ascender o fogareiro, 30 agacham junto comigo! Se corto cebola, 50 querem ajudar, com as mãos imundas! E aqui vale um comentário! Não existe papel higiênico na Índia! E os caras colocam a mão em tudo! Dá para imaginar?
Defecam com a consistência de um mingau (ou seja, infectados por bactérias), bem ali… ao lado da estrada, da casa ou do restaurante… tem lugares que é um verdadeiro campo minado… limpam a bunda com um copo de água, e na hora de servir, metem a mão na sua comida!
Rapaz! Cada refeição é um Deus nos acuda! E eu fico pensando… Caramba! O garçom também caga! Igual a todo mundo! E eu lá! Na porrada com os meus tabus!!
Outro ponto que dificultou bastante foi achar um lugar para passar a noite. Embora seja um dos estados indiano que mais recebe turistas, tanto locais como estrangeiros, Uttar Pradesh é incrivelmente carente de hotéis e restaurantes longe dos pontos turísticos. Tentei por duas vezes dormir na barraca, mas o calor, associado a falta de vento tornaram essas noites em um inferno! Além de não conseguir descansar, passei a noite toda transpirando, melado! Manja?! Isso sem falar nos mosquitos e pernilongos! Demais! Já acordava cansado! Como voltava a pedalar apenas no final da tarde, muitas vezes forcei o ritmo para chegar em algum lugar. Alguns dias desencanei e corri o risco de pedalar no escuro. Com a falta de regras no trânsito, passei momentos de muita tensão, chegando a ficar com os músculos doloridos, rígidos! Bom, já falei do trânsito! E já falei sobre o atropelamento também!
Os vendedores ambulantes, motoristas de tuque-tuques e riquixás, são insistentes ao extremo! Os caras não dão sossego! Vários ao mesmo tempo! Brigam entre eles! E cobram pelo menos o dobro do preço justo, apenas por eu ser estrangeiro. Aliás, seguem o exemplo do governo! Para entrar no Taj Mahal por exemplo, estrangeiros desembolsam 750 rúpias indianas, enquanto os locais pagam 20 rúpias! A impressão é que estava sendo extorquido a todo momento! Um saco!
Meu preconceito também atrapalhou! No início foi inevitável fazer a comparação do povo indiano com a distante realidade do povo brasileiro, da qual é a minha referência. O povo indiano é pobre, se veste com simplicidade e vive repleto de carências. No Brasil, muitas pessoas que vivem nessas condições, abandonados à própria sorte, vivem cometendo pequenos delitos, se aproveitando de qualquer oportunidade com a esperteza que só tem quem esta cansado de apanhar. Era impossível não comparar os nossos meninos de rua com os locais. São aparentemente semelhantes. Com o tempo, percebi que os indianos são extremamente curiosos, mas não tem o hábito de querer o que é dos outros… mexem.. quebram… mas não roubam! Minha reação ao chegar causava antipatia. Eu ficava preocupado com a bicicleta e principalmente com os equipamentos expostos na bike. Quando entendi, passei a “chegar” mais manso.
E por fim, o que mais me marcou! E esse ainda é um tabu que não consigo me livrar! O convívio com a sujeira! Eu não consigo entender que em pleno século XXI a higiene seja tão negligenciada. Eu sei que no Brasil existe muitos lugares imundos, de dar pena, mas em Uttar Pradesh é praticamente em todo lugar. O limpo é que destoa! Pessoas não se incomodam com nuvens de mosquitos nos alimentos, montanhas de lixos na porta de casa e mesmo fezes de pessoas e animais. O nível de higiene é tão baixo que vendedores passam o dia todo trabalhando em meio á poeira e forte calor, suados, imundos, com as mãos em contato direto com os alimentos. E as pessoas compram! E a Índia está entre as maiores economias do mundo, com previsão de ultrapassar o Brasil no 7° lugar! Como pode? As pessoas simplesmente não acreditam que mosquitos e lixo transmitem doenças. É bizarro! Aqui vale outro comentário. Eu não sei os números, mas tenho certeza que a informalidade na Índia é enorme! Quando o governo indiano conseguir trazer essa massa para a formalidade, certamente irão ganhar várias posições no ranking econômico. Milhões de indianos sobrevivem de pequenos comércios sem pagar um centavo para o governo.
Pois é! É claro que eu sabia que a Índia era uma loucura! Mas Uttar Pradesh foi muito mais do que eu supunha! Para mim foi um choque cultural que nunca havia experimentado com tamanha intensidade. E olhe que passei por países bem distintos do nosso!
Saio de Uttar Bradesh com a sensação de quem amou e odiou ao mesmo tempo! Varanasi e Agra são os pontos altos desse estado. Nunca esquecerei a espiritualidade e o fervor religioso da primeira e toda beleza imperial da segunda. Também será difícil esquecer o caos, a desordem, a sujeira… É mais ou menos assim: De repente você se depara com algo impressionante, fora do comum, fica de queixo caído, perplexo, admirando… aí, hipnotizado para achar o melhor ângulo para fazer a foto, da um passo para o lado e enche o pé na merda! De vaca, de cachorro, de GENTE! Só para citar um exemplo.
A Índia se caracteriza por ser um país muito distinto culturalmente. Cada estado tem seu povo, cultura e particularidades. Eu apenas conheci Uttar Pradesh e Nova Deli, a capital do país até agora. Tenho planos para visitar os estados do Rajasthan, Haryana, Uttarakhand, Himchal Pradesh e quem sabe Jammu e Kashmir. Isso se tudo der certo com os processos de solicitação de visto para meus dois próximos países. Para isso, terei que deixar a bike um pouco de lado e viajar de trem. Meu visto vence em poucas semanas e seria impossível fazer tudo de bike… Achei que valeria a pena sacrificar um pouco a viagem de bicicleta e ganhar diversidade cultural e conhecer outros sabores. Minha impressão já está um pouco melhor, mas espero conhecer uma outra Índia nesses lugares e como muitos países em que passei, ter o gostinho de querer voltar um dia!
Respostas de 10
Socorro! Não sei como consegui ler até o final. Boa Viagem, aff!
Ahhhh… está reclamando só de ler? kkk Vem passear aqui de bike, vem? kkkkk
Com esse monte de mosca lembrei do restaurante que comemos em algum lugar do nordeste, que tinha peixe com mosca!!!!!
Se cuida aí muleke! Abraço
Pois é rapaz! aquele dia foi nojento também! kkkkk
Caramba!!!! Chocante e chocada!!!! Lendo daqui, imagino que para você, ao mesmo tempo que vive situações repugnantes, tem a consciência e a felicidade de vivenciá-las, já que são inesquecíveis e ajudam a rever conceitos de vida, de espiritualidade, de relacionamentos. Sei lá, acho que esse post me fez viajar mais longe que você!! Se cuida aí!! Beijo
Verdade maria Silva! É ruim mas é bom!
Saudade!
bj
Urgh! Credo!
Dureza!
meu amor se cuida por favor não seria melhor >>>>>>>>>> credo sem palavras bjs
Deixa comigo! Eu tenho alcool gel! kkkkkk