Assim como a pimenta e a grande variedade de ervas e especiarias, a diversidade de pratos é uma das principais características da culinária indiana. Eu precisaria da vida toda para experimentar tudo que vi por aqui e mais dez vidas para provar o que ainda não vi, principalmente viajando de bicicleta. Por isso o título leva a palavra MINHA.
Enquanto pedalei, com exceção ao rico período que fiquei na casa de Juity e Amam e nas cidades turísticas como Varanasi e Agra, não tive muitas oportunidades de experimentar algo bacana devido a baixa qualidade e os padrões de higiene dos restaurantes de beira de estrada.
De vez em quando encontrei uma samosa com “a cara boa”. No geral, esses pasteizinhos fritos de massa grossa, geralmente recheados com batata levemente apimentados, são encharcados de óleo e ficam expostos a mosquitos e poeira. São muito saborosos! Fritos na hora, diminui o risco de dar merda. Literalmente! Abusei dos pães. Eles não possuem o valor nutricional como os da Noruega, por exemplo, mas são apetitosos! Lembram o pão sírio no formato. São vários tipos com diferentes formas de preparo! O meu preferido é o tandoori butter naan. Bem queimadinho, vai que é uma beleza com o massala tea. Uma das minha opções prediletas no café da manhã.
Massala tea é o chá mais popular da Índia, pelo menos nos lugares onde passei. Vai leite e especiarias, com uma leve predominância do cardamomo. Pena que em muitos lugares ele é muito doce. Mas é beeeeeem gostoso.
Não é fácil encontrar supermercados, inclusive nas grandes cidades. Por sorte encontrei um em Agra, o único, no mais, consegui recarregar meu estoque de frutas secas, castanhas e biscoitos em feiras de rua ou pequenos armazéns. Frutas e água não foram problemas. Encontrei com relativa facilidade por todo caminho.
Pedalava sempre com a ideia de encontrar um restaurante minimamente confiável, que me oferecesse o conforto de um ventilador para amenizar o calor. As vezes até encontrava um velho ventilador de teto, mas energia sempre foi um problema para mantê-los funcionando. Impressionante como falta energia em Uttar Pradesh. Na estrada encontrei muitos cardápios em Hindi (हिन्दी), alfabeto completamente diferente do nosso. Comi muitas vezes sem saber o que estava comendo. Escolhia meu prato na “dedada”, apontando, depois de passar o olho nos pratos dos fregueses.
Durante todo esse tempo na Índia, praticamente não comi carne. Mais de 95% das refeições foram vegetarianas. É possível encontrar frango e cabrito, mas as condições de higiene e armazenamento não são nada incentivadoras. A esmagadora maioria da população no norte da Índia não come carne. Não sei como é no resto do país. Não vi carne de gado, é claro, pois elas são sagradas, também não vi carne de porco. Peixe vi em apenas um cardápio, e duas vezes na beira da estrada ao cruzar um rio, sendo vendido com “aquele” padrão de higiene. Puta cheiro e mosca prak7!
Para cozinhar comprei os produtos na hora. Apenas o que iria usar. Fiz ovos mexidos, batatas, mas me dei bem mesmo foi no penne com berinjela, cebola, tomate e alho. Quando dava sorte de achar, incrementava com um queijinho. Repeti essa receita várias vezes.
Uma boa surpresa foi o leite e seus derivados. Em saquinho, e quase sempre bem gelado, o leite é encorpado com um leve sabor de queijo coalho. Uma delícia!Lembrou o leite que tomava na infância e adolescência, ordenhado no sítio dos meus avós. Foi outra boa opção de café da manhã. O iogurte e a coalhada também são ótimos! Eles são vendidos em todos os lugares. Sempre que achei em boas condições de higiene eu tomava um lassi. O Lassi foi uma das melhores coisas que provei na Índia! Iogurte batido com água e frutas ou especiarias na versão salgado. O mais exótico que tomei foi o Bhang Lassi, com estrato de cannabis. Caí no conto do meu grande amigo e colaborador de assuntos relacionados a Índia, Allex Ferreira, fotógrafo dos bons, diga-se de passagem. Aprendeu comigo! (Ele vai ficar puto!kkkk). Com aquele jeitão dele: _ Pode tomar! Não pega nada! Vai no médio! Eu já dei mancada contigo? Aí eu fui né?! Rapaz!! Fiquei com uma leseira dos diabos! O trem é doido! Logo depois de tomar, fui assistir o ritual religioso de Varanasi. O que foi aquilo, meu irmão! O misticismo da cerimônia e os efeitos mental causados pela bebida me transportaram por lugares que nunca estive antes. kkkk Seguinte, se você tiver a oportunidade de tomar, vai no “small”. O médio foi uma pancada para mim! Relaxei! kkkkk Se não tiver coragem, vai no de abacaxi com coco, é o meu favorito!
O queijo é outro derivado do leite que também é ótimo! Chamado de paneer, fica entre o minas, cottage e coalho, possui ótima consistência para cozinhar. Meu prato vegetariano (lacto-vegetariano) favorito é com ele: Paneer Butter Masala, pedaços de queijo mergulhados em um molho vermelho grosso, bastante aromatizado com coentro, cominho e outras especiarias.
Em Deli, fui apresentado a um restaurante local onde o cardápio é bem variado. É sujo, fica em uma rua com pouco movimento, já vi rato, limpam a mesa com um pano imundo que fica no chão, colocam as mãos na comida, baratas, mas está sempre lotado! Os pratos são simples, bons e baratos. Um típico restaurante de e para locais. Nunca vi um turista ali, e talvez por isso fui muito bem tratado. Lá tive contato com vários pratos do dia a dia. Um deles que gosto muito é o Aloo Phujia, um prato a base de batatas bastante picante e aromatizado com sementes de cominho. Muito bom também!
A pimenta está presente na maioria dos pratos. Ela pode chegar suave ou arrebentando. Em restaurantes acostumados com fregueses estrangeiros o garçom sempre pergunta. Nos restaurantes de beira de estrada o bicho pega! Comi pratos muito apimentados. De peidar e queimar a cueca! Por outro lado, muitas vezes me surpreendi, hora com a delicadeza, hora com a robustez das ervas e especiarias.
No período que fiquei na casa de Juity e Aman, nos revezamos na cozinha. Foi uma troca de experiências bem bacana. Pude prestar atenção em vários preparos, conhecer alguns ingredientes local, como vegetais frescos e especiarias. Proporção dos temperos e como eles se relacionam e se interferem. Temperatura do fogo. Um detalhe bastante interessante é que cozinham sem forno, em um fogão de apenas duas bocas. Com isso adquiriram agilidade, habilidade e criatividade na arte de preparar um jantar mais sofisticado. E eu ali, só de butuca! Aproveitando a oportunidade.
Durante minha visita no Rajastão, em um dia de chuva forte, entrei por acaso em um restaurante que também oferece aulas práticas. Na aula, cada um escolhe um prato do menu e todos acompanham o preparo, com um pequeno acréscimo na conta. Foi uma experiência interessante. Foram 3 pratos: O Paneer Butter Masala (o meu favorito); o Palak Raita, um prato a base de espinafre e yogurte; e o Mutter Mushroom, cogumelos com ervilhas servido em um espesso molho de tomate com castanha de caju.
O arroz também é muito consumido. A variedade é enorme! São aromatizados, saborosos e coloridos. Os currys também aparecem em quase todos os cardápios, assim como sopas ou caldo de lentilhas com vegetais chamados dals. O ghee, ou manteiga sem a parte da lactose, é indispensável na cozinha indiana. Substitui o óleo e supre a falta de azeite. Ela tem a característica de realçar o sabor e aroma dos alimentos.
As sobremesas que provei são extremamente doces e na grande maioria usa-se leite como base. O arroz-doce foi meu favorito. Também com uma leve predominância do cardamomo. O doce de mamão verde e uma espécia de ambrosia também agradaram. Tem um sorvete de cardamomo em forma de cone que também é interessante.
A comida de rua indiana é variada e abundante. Infelizmente as condições de higiene são precárias. Confesso que me arrisquei algumas vezes, mas no geral, segui referências de guias de viagens ou moradores locais. Vi muita coisa que gostaria de ter provado, mas não tive coragem de arriscar. Uma experiência incrível foi fazer um tour gastronômico guiado em Chandni Chowk, um dos maiores centros comerciais de Deli. Guardadas as proporções, poderia ser comparada com a região da 25 de Março em São Paulo. O tour dura 3,5 h. Você paga o que comer e no final oferece a quantia que achar justo para o guia. São de 8 a 10 surpresas entre quitutes, pratos e sobremesas. Só lugares tradicionais. Foi ali que comi a samosa mais apetitosa, um carneiro gostoso, e tive coragem de experimentar o Jalebi, que tinha um pouco menos de mosquitos do que nas outras vendas. Foi legal pacas!
O mundo culinário da Índia, assim como quase tudo, mostrou seus altos e baixos. Por um lado, a falta de higiene e cuidado com os alimentos, e a dificuldade em obter qualidade, foram os pontos negativos.
E aqui falo da regra, não da exceção. (Infelizmente, os padrões de higiene da sociedade refletem diretamente na forma em que os indianos manipulam os alimentos, e o resultado disso é de tirar o apetite). Por outro, a robustez e seus sabores fortes e exóticos foram marcantes, confirmando a minha expectativa; mas também me surpreendi ao encontrar sutileza.
Experimentei pratos onde os sabores não se sobrepõem, chegando cada um no seu tempo, dando as boas vindas, deixando a língua incrivelmente excitada. Combinações improváveis, enormes quantidades de temperos usados em cada prato, novos ingredientes. Tudo isso aguçou a minha curiosidade e imaginação. A cozinha indiana é tão especial, que mesmo eu sendo um carnívoro voraz, consegui sobreviver numa boa no mundo ovo-lacto-vegetariano.
E isso, nem eu sabia que era capaz!
Respostas de 2
Muito diferente né?
Saborosa!