Aurélio Magalhães – Da China Para Casa by Bike

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O outro lado de uma grande viagem de bicicleta

Dificuldade de comunicação, imprevistos, informações erradas e conflitantes. Existe um outro lado de uma grande viagem de bike que geralmente não é comentado, mas que faz parte do dia-a-dia, e exige muito trabalho, atenção, paciência e muita perspicácia.

Eu não estou falando de escolher e equipar a bicicleta, montar roteiros, comprar equipamentos e roupas apropriadas, organização dos alforjes. Para tudo isso existe até manual. Eu até recomendo o manual escrito pela minha amiga do Clube de Cicloturismo do Brasil, Eliana Garcia. É um ótimo começo para quem quer se aventurar em cima de uma bike. O manual está disponível no site do Clube de Cicloturismo do Brasil.

Veja o que aconteceu comigo aqui na Coréia do Sul desde a minha chegada. E se alguém souber de um manual para isso, por favor, me avise!

Eu já ligo meu radar antes mesmo de descer do avião toda vez que chego em um país. Ainda mais quando se trata de um país como a Coréia do Sul, com um alfabeto totalmente diferente do nosso. Para mim, aqueles risquinhos chamados ideogramas parecem chinês (risos).

Tudo certo dentro do aeroporto. Passei pela imigração, encontrei minha bagagem com facilidade e lá vou eu para o lado de fora do aeroporto. Cheguei em Seul com temperatura abaixo de zero, perto das 18h. Meu plano era comprar um chip de telefone de uma operadora local e pegar um meio de transporte, de preferência o mais barato, e seguir até o hotel que havia reservado. Geralmente monto a bike no aeroporto e sigo pedalando. Mas acontece que já estava escurecendo e o meu GPS ainda não possuía o mapa da Coréia. Eu sei que vai ter uns engraçadinhos que vão pensar que eu estou “Aureliando” por causa do frio… kkkk

Fui até o centro de informações e fiquei sabendo que não poderia usar ônibus e trem, a caixa da bicicleta era grande demais. Eu sou meio insistente e tento resolver as coisas do meu jeito quando recebo uma informação que não me agrada. Meio que ignorei o que a atendente me disse e fui verificar com meus próprios olhos. Tipo São Tomé, manja?

Antes de chegar perto da catraca do metro um funcionário se aproximou e confirmou a informação. Fui correndo para a fila do ônibus que estava bem grande, ainda sem o ticket na mão, como era exigido. Só para testar… Quando me aproximei veio outro funcionário dizendo: _ Over size! Not allowed!

Tentei uma empresa de delivery e mais uma vez me disseram que a caixa era muito grande e custaria cerca de US$ 95. O mesmo preço do táxi de luxo. O táxi convencional US$ 65. Conversei com um italiano e ele topou dividir o táxi comigo, e lá fomos nós para a fila do táxi convencional. Por sorte o seu hotel era próximo do meu.

E quem disse que a caixa da bike coube no táxi? Com o tanque de gás no porta-malas, tentamos de todo jeito colocar no banco de trás. O processo demorou um bocado e o italiano não teve paciência de esperar. A caixa não cabia por pouco! Tentei de tudo quanto foi jeito! Eu já estava pensando em tirar a bike da caixa quando um motorista de táxi de luxo, comovido pela minha história de viajante de bicicleta topou me levar pelos US$ 65. Mesmo assim, tivemos que espremer a caixa no banco de trás.

No outro dia quando tirei a bike da caixa, o disco de freio estava torto e dois raios da roda traseira quebrados. Eu conseguiria desentortar o disco, mas trocar os raios não. Eu tenho raios reservas, mas não tenho a ferramenta de rosquear e muito menos o medidor de tensão. Não existe uma PEDAL POWER no centro de Seul! A bicicletaria mais próxima ficava a 8 km do hotel segundo o Google. É como sair de Perdizes na minha casa em São Paulo e ir até a Vila Mariana. Os pneus da bike estavam vazios. Para voar é necessário esvaziar os pneus, e quando fui usar a minha bomba manual, ela não funcionou. Fiquei muito tempo sem usá-la. Ela fica fixada no quadro da bike tomando chuva e sol, deve ter ressecado.

Nessa altura, meu plano de visitar a cidade naquele dia, tinha ido metade por água abaixo. Fiz uma correria para encher o pneu e resolvi pedalar até a bicicletaria mais perto, que o recepcionista do hotel havia sugerido, mesmo sem aparecer no google. Já era quase 14:30h e eu ainda tinha que buscar meu passaporte e comprar a passagem para o meu próximo destino.

A bicicletaria era de fundo de quintal! Com muita dificuldade consegui me entender com o mecânico, via aplicativo tradutor do telefone. Nem mesmo sua boa vontade conseguiu resolver todos os problemas. Não havia raios para a minha bike. Usei os meus. Ele conseguiu trocar sem desmontar a roda, entortando os raios por completo para conseguir passar pelo buraquinho de fixação, para o meu total desespero, e o ajustamento de tensão foi feito com os dedos mesmo. Que aparelhinho que nada! Improviso puro! Juntos, com um alicate desentortamos o disco que quase ficou bom… Não consegui checar a vida da corrente, pois não havia o medidor e muito menos trocar as patilhas de freio traseiro. Vou ter que voltar em uma bicicletaria antes de iniciar o pedal.

Com um frio de lascar, pedalei apressado até o hotel e fui direto para a embaixada buscar meu passaporte. E onde estava meu passaporte? No meu comprovante de pagamento estava agendado para retirar dia 29/01 às 13:00hs. O atendente procurou, procurou e nada! Eu já estava explodindo! Ele disse que havia pego meu passaporte e tudo mais. Era o único passaporte brasileiro! Ele se lembrava mas não achava de jeito nenhum! Depois de quase meia hora, com a fila já grande atrás de mim, ele achou! Estava dentro do bolso do paletó que estava pendurado no cabideiro. Ele pediu desculpas e eu saí apressado para comprar as passagem que já estavam reservadas na Korea Air Lines, sem saber como meu passaporte foi parar no bolso do paletó. Nem quis perder tempo de perguntar…

Minha senha era 89. A chamada estava no 74. Eu ainda queria visitar pelo menos o mercado que o meu amigo coreano Jae havia me sugerido e dar uma relaxada em um Jjimjilbang, uma espécie de sauna pública muito popular entres os coreanos. Eu olhava para a plaquinha e para o relógio! 33 minutos e o 89 apareceu! O atendente não falava inglês. Mas eu apertei o botão da senha que dizia: in english. Mais 5 minutos. Chegou uma bonita e simpática atendente. O processo seria rápido. Eu tinha o código de reserva. Mas definitivamente não era o meu dia. Seriam duas passagens. Uma para chegar ao meu próximo destino e outra para sair, já que o país exige uma passagem de volta. Tudo bem, beleza! A simpática atendente me disse que teria que comprar as passagens separadamente. Não entendi direito, mas ok! Passei o cartão de crédito e a primeira compra foi efetuada. Na segunda a transação não foi autorizada. Não era o meu dia! Saí de lá puto da vida e mesmo assim fui cumprir a obrigação de visitar o mercado!

Acabei beliscando alguma coisa por lá e já havia digerido a ideia de que mesmo o dia não sendo bom, eu teria uma outra chance amanhã.

O frio rachando! -6°C. Embora apertando o passo para sair do freezer, caminhei tranquilo para o hotel pensando nas obrigações que ainda teria que cumprir antes de começar a pedalar. Bicicletaria, agência de correios, Jjimjilbang, solucionar o problema da passagem, pontos turísticos, compra de provisões,  organizar alforjes, e etc. e fui organizando as prioridades na minha cabeça.

Depois de tomar um banho fui checar a minha caixa de e-mail. Meu cartão foi bloqueado! Precisava entrar em contato com a minha operadora por telefone. Gastei mais um bom tempo para conseguir achar o número de telefone para ligação à cobrar para o Brasil. Isso porque com o chip da operadora local, o google trazia informações em ideogramas que nem mesmo o Indiana Jones conseguiria decifrar. Depois a coisa andou até relativamente bem. Até eu saber que receberia uma ligação no meu telefone de cadastro para confirmar o desbloqueio. Como assim meu telefone de cadastro? Eu não uso o número a mais de um ano. E a moça insistiu dizendo que não poderia me ligar no telefone coreano que eu estou usando.

Depois de mandar um e-mail para minha gerente fui dormir sem saber como esse problema será solucionado. A expectativa por um bom desfecho gerou uma ansiedade que não me deixava pegar no sono. E fiquei pensando: É melhor deixar para amanhã o que não deu para resolver agora!

 


 

A viagem ao redor do globo continua. Suba na garupa e venha comigo nesta aventura!

DA CHINA PARA CASA BY BIKE, compartilhando a viagem enquanto ela acontece! Toda quinta-feira um novo episódio com dicas, curiosidades e o dia a dia de uma VOLTA AO MUNDO DE BICICLETA.

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