Aurélio Magalhães – Da China Para Casa by Bike

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Uma travessia para ficar para a história!

A travessia de navio entre Tunes na Tunísia e Salerno na Itália, foi sem dúvida uma das mais bizarras viagens que já fiz em toda a minha vida.  E a história começou muito antes do navio zarpar.

Por € 162, comprei uma passagem que me deu direito a uma poltrona “luxo”, café da manhã, almoço e jantar, saindo as 17h e chegando ao meu destino 21h do outro dia. A Grimaldi Lines exige que seu check-in seja feito com 180 minutos de antecedência ( escrito no ticket), e as 14:10h, depois de pedalar forte contra o vento da casa da família Gaidi, que me hospedou carinhosamente, diga-se de passagem, cheguei ao porto completamente suado.

Enquanto desequipava minha bike para passar os alforjes no escâner, um aglomerado de curiosos me rodeou. Entre eles policiais da alfândega, que pareciam se revezar na tarefa de me perguntar de onde eu era e pedir meu passaporte. Na boa, 6 policias me abordaram no pequeno intervalo de tirar os alforjes, passar no escâner e recolocar na bike. Eu já comecei a ficar irritado… bom, mas vá lá! Não é todo dia que aparece cicloturista por lá. Consegui disfarçar bem a minha irritação e entrei no porto.

Fui direto fazer o check-in. 8 ou 10 pessoas na minha frente. Estacionei a bike ao lado da fila e ainda pingando, esperei pacientemente a minha vez. Aí, um espertinho da fila ao lado, entrou na minha frente, como se eu não estivesse ali! Rapaz, eu já estava com o pavio meio curto… fui logo dando um chega pra lá no rapaz! Folgado pra caramba meu! Ele ficou me olhando assustado e eu não quis nem saber… a mocinha atrás de mim falou umas poucas e boas pra ele!

O check-in foi rápido! E de lá me posicionei agora, na fila da migração, que deveria ter umas 20 pessoas na minha frente, e fiquei aguardando o portão abrir para carimbar o passaporte e fazer o embarque. 15:45 h o portão abriu… e meu amigo… pra que fila? A multidão, muito mais ágil do que eu com a bicicleta, simplesmente me ignorou e foi avançando. Percebi que era melhor esperar a avalanche e pacientemente esperei todo mundo passar. Engoli mais um sapo… mesmo assim achei melhor do que sair batendo boca com todo mundo… fui para o último lugar no Grid de Largada.

Nesse meio tempo, era criançada correndo pra lá e pra cá com as mães desesperadas correndo atrás… e aqui meu amigo, se a mãe ou o pai alcança a criança, é pancada na certa! A criança apanha pra valer! Sem dó! Tapa na cara, na cabeça, beliscões… Por pouco não me estressei com um pai que espancava os três filhos cujo o mais velho não passava de 6 anos. É a cultura… eu já havia presenciado essas senas durante a minha viagem… Mais tenho certeza que só de eu olhar para o pai ele se intimidou e parou de bater. Acho que ele se tocou… É difícil pra caramba ver adultos batendo em crianças, meu! Nessas, o meu pavio ia diminuindo…

Enquanto a fila andava morosamente, pude presenciar algumas cenas não muito comum nos setores de migrações que estive até agora. E não foram poucos. A Itália é 37⁰ país a ser visitado pelo Projeto da China para Casa by Bike. Uma dupla de policiais, um homem e uma mulher, fazia brincadeiras, digamos, um tanto quanto inapropriada para a ocasião e lugar. Posso dizer que parecia uma paquera dos filmes Loucademia de Polícia, manja!? O policial torcendo o braço da colega que se retorcia e tentava escapar, enquanto que ela, tentava um revide ameaçando com os joelhos o “documento” do valentão. E a fila ia andando… Lá no fundo, depois da migração, algumas malas eram escolhidas aleatoriamente para serem revistadas antes de passar no escâner. Um dos policiais, trabalhava fumando, e quando era preciso usar as duas mãos, ele levava o cigarro na boca,  que dançava de acordo com as palavras que ia soltando… Chegou a ser engraçado! Imagina o policial abrindo a bolsa da mulher com as duas mãos e perguntando se ela tem algo a declarar com o cigarro no meio do beiço… Só rindo mesmo!

Meu passaporte foi carimbado e chegou a minha vez de passar pela revista. Quando a policial viu aquele monte de malas penduradas na bike, fez uma baita cara de preguiça e me mandou seguir. Fui direto ao escâner e tive que mais uma vez, detalhe, com os mesmos policiais que estavam na primeira revista, desequipar a bicicleta e repetir o procedimento. Rapaz… quando eu estou colocando as minhas bagagens na esteira, você não acredita! Não é que a lazarenta da policial, a mesma das joelhadas, estava jogando no celular enquanto as malas passavam no escâner. Um olho no peixe e outro no gato… ela estava com um olho no monitor e o outro no joguinho do celular… Nem acreditei, ó! Brincadeira… Ainda pude perceber os vergões no antebraço da fela! Kkkk Foi demais!!!

Já dentro da embarcação, fui orientado a encostar a bike na amurada do navio e esperar para ser amarrada. Disseram que eu teria que esperar um funcionário trazer uma corda. Tudo bem! Achei um lugarzinho joia e fiquei ali conversando com dois funcionários hondurenhos e dois filipinos. Todos muitos simpáticos. Não teria problemas em ficar ali por mais meia hora se o gás carbônico exalado pelos motores dos caminhões que manobravam dentro do pátio do navio não começassem a me sufocar e fazer os olhos e o nariz arder. Dei um toque nos meus amigos que disseram que o chefe “maledeto” italiano não viria antes de acabar o procedimento com os caminhões, que já estava atrasado. Bom, depois de mais 10 minutos, atravessei a pista, busquei a corda e amarrei eu mesmo a bicicleta. Ele gritou qualquer coisa de longe e eu fingi não escutar. Aí, um dos hondurenhos veio e fingiu me ajudar, acenando para o “maledeto” que estava tudo legal!

Enquanto ia subindo do 3⁰, onde estacionei a bike, para o 5⁰ andar, local da seção das poltronas de luxo, fui notando que a embarcação estava praticamente vazia. Fato que não justificava minhas tentativas de encontrar passagem para os dias anteriores. Entre o dia 31 de agosto e hoje, dia 8 de setembro, quatro barcos zarparam para a Itália, todos lotados!

Mais um simpático hondurenho me recepcionou na porta da seção das poltronas de luxo. Já era 4 e lá vai pedrada! As poltronas são realmente confortáveis e espaçosas. Correspondem ao nome! 17:30 h perguntei ao funcionário se ele sabia o porquê do atraso. Ele disse: _Não amigo! Estamos no horário. A embarcação zarpa ás 20 h. O quê? Mostrei meu ticket para ele e e ele se espantou! _ Essa empresa é brincadeira! Completou!

Com a mudança de horário, fui ao solário fazer algumas ligações de agradecimento e pude observar a enorme fila de carros aguardando para embarcar! Estava explicado! A multidão estava por vir!!

E o navio foi enchendo! Quando voltei a minha poltrona, o ambiente de tranquilidade tinha desaparecido! Alguém aumentou o volume da TV, crianças chorando, um puta cheiro de comida subia dos tapwares, um calor que o ar condicionado não dava conta, pessoas gritando ao conversar no celular! E para piorar, meu assento ficou peto da entrada da seção, e todo mundo que não tinha poltrona reservada, queria dar o “migué” no paciente hondurenho, que calmamente explicava que ali era como nas cabines, era preciso fazer reserva e pagar por elas. O hondurenho deu uma aula de paciência! Enquanto os passageiros se esgoelavam, com as mais esfarrapadas desculpas para conseguir um lugar, chegando a xinga-lo e ameaça-lo, ele calmamente, e sem levantar a voz, explicava que só poderia entrar com a reserva! Teve uma hora que eu me levantei e tomei as dores do coitado! Eu não aguentava mais aquela ladainha e a tremenda falta de respeito! Gritei com dois sujeitos que peitavam o pobre porteiro! Aí os caras se intimidaram e se foram! Depois dessa minha reação, estreitamos os laços de amizade e pude conhecer alguns membros da tripulação. Ramon, o porteiro, contava minha intervenção para cada colega que passava por ali. Mais tarde, Victor, que trabalha no buffet, um dos companheiros de Ramon, me deu um upgrade no jantar com antepasto, e frutas. Victor já havia trabalhado em um cruzeiro no Brasil e toda vez que me encontrava gritava meu nome e soltava algumas palavras de baixo escalão, típicas daquelas que soltamos toda hora!

Bom, mas vamos voltar ao filme de terror! Por volta das 23:30 h o ambiente começou a se transformar. A zoada das crianças deram lugar a uma sinfonia de roncos terríveis! Na cara dura, reduzi o volume da TV, e Ramon, solidariamente, já havia aumentado a potência do ar condicionado. O cheiro de comida deu lugar ao de chulé! Aliás, fato marcante dos países muçulmanos! Nas mesquitas não é permitido entrar calçado, e o cheiro de chulé toma conta! Sem zoeira! É de impressionar! Quando viajei de ônibus foi a mesma coisa! Terrível!

Tudo conspirava contra o meu sono e eu não conseguia me “encaixar” na poltrona e dormir. Fui me irritando cada vez mais! E já com os nervos a flor da pele, resolvi levantar e dar um rolê pelo navio. As imagens vão falar por mim…

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Setor das poltronas de Luxo.
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Hall em frente a recepção.
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Corredor principal.
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Restaurante.
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Corredor lateral.

Ás 6:30 h o navio chegou a Palermo. Boa parte dos passageiros desembarcaram. O restante foi obrigado a passar pela migração, já que em Salerno não existe este procedimento. Aquela história de neguinho furando fila se repetiu! Mas o meu cansaço me impediu de relutar. Liguei o foda-se e esperei pacientemente a minha vez! Este procedimento foi feito em terra, obrigando todos a desembarcarem.

Ao retornar vi a quantidade de lixo e sujeira que os passageiros deixaram. Latas de refrigerante, garrafas de água, saco plástico dos mais variados, resto de comida! O navio estava um lixo! Um horror! O banheiro então… nem se fala! Os caras tiveram a moral de cagar fora do vazo, entupir o mictório com papel, fazendo-o transbordar e inundar de mijo o chão do banheiro! Cara, um nojo! Fiquei com raiva e com uma puta pena dos funcionários que começavam os trabalhos de limpeza!

Por volta das 11 h, partimos novamente e finalmente a viagem se tranquilizou… Só as crianças correndo pra lá e pra cá, deixando a pesada porta bater com força me irritou. Mas foi por meia hora. Estava tão cansado que dormi mesmo assim.

Como já havia recebido o carimbo em Palermo, o desembarque foi tranquilo! O único problema foi o horário. Já passava das 21 h. Minha estratégia foi pedalar até encontrar um puxadinho para armar a minha rede.

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Garagem onde passei minha primeira noite na Itália. Cava de Tirreni.

Eu continuo recomendando fazer cicloturismo na Tunísia! Mas se sua ideia é atravessar o Mar Mediterrâneo, prepare-se muito bem e relaxe, ou reserve uma cabine!

Já passou! Vamos embora! Sobe na garupa que é hora de explorar a Itália!

 

 

 

 

 

 


 

A viagem ao redor do globo continua. Suba na garupa e venha comigo nesta aventura!

DA CHINA PARA CASA BY BIKE, compartilhando a viagem enquanto ela acontece! Toda quinta-feira um novo episódio com dicas, curiosidades e o dia a dia de uma VOLTA AO MUNDO DE BICICLETA.

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7 respostas

  1. Hi Aurelio , nice that you have managed to enter to Europe . I think the story of the ship and the chaos is quite easy to explain . Those were certainly very many refugees . Therefore the chaos .
    Big hug Ronny!

  2. ufa !!!! que horror ainda bem que vc deixou as coisas rolar senão o pau ia quebrar rrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsr te amo e se acalme bjs saudade

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