Eu já vinha pelejando contra o vento de 9 m/s ou 32 km/h por mais de 7o km. Usando a mesma estratégia de sempre, pedalei até as 18:00h e então comecei a procurar um lugar para montar acampamento. Ainda teria 2 horas e pouco de luz natural, tempo suficiente para agilizar tudo que eu precisava antes do merecido descanso. Neste trecho, a ciclovia do Mar Báltico compartilha a estrada estreita de muito pouco movimento. Floresta e fazendas dos dois lados da estrada. Minha ideia era achar um lugar protegido do vento que vinha do mar, mas não muito longe dele, para arriscar uma pescaria. Aproximei o zoom do GPS para apenas 120 m, e assim poder visualizar qualquer estradinha que me levasse em direção a praia, cerda de 1 km distante da estrada. Pumba! Achei!
A estradinha chegou até a beira da praia, no entanto, o lado da floresta estava cercado por uma propriedade particular, e o outro lado, o campo aberto ou mesmo a areia da praia estavam fora de cogitação devido ao forte vento. Mesmo em cima do barranco, as gotículas das ondas que se quebravam me alcançavam…
Decidi arriscar seguindo o lado desmatado até um conjunto de arbustos aproximadamente 500 m de onde estava! Pumba de novo! Achei um campinho de grama perfeito, protegido pelos arbustos e um pequeno morro. Encostei a bike em uma macieira carregada, escolhi uma fruta que me pareceu apetitosa, e cravando os dentes no azedinho doce, fui fazer o levantamento da área para escolher o melhor lugar para colocar a barraca. Quando contornei o morrinho, avistei uma casa e me dei conta que o gramadinho fazia parte da entrada da propriedade. Só aí reparei um rastro de pneus já quase restabelecido pela grama, me fazendo concluir que a muito tempo um carro não passava por ali… fui entrando para conferi e e notei que a porta de entrada estava aberta, com um balde cheio de pepinos escorando-a. Opa! Tem gente na casa! Fui me aproximando e avistei na janela uma Sra. que parecei fazer palavras cruzadas, com uma revista e uma caneta na mão. Ela estava meio de lado, meio de costas e não me viu.
Voltei para a bike pensando que teria que pedir autorização para acampar ou procurar outro lugar. Putz! O lugar é perfeito! Peço ou não peço? Colhi mais uma maça enquanto pensava e reparei no lindo senário que o sol, mar e nuvens exibia…
… vou lá, decidi!
Com um “hi” em tom forte o suficiente para vencer a barreira do vidro e do vento, e ao mesmo tempo não assusta-la, consegui chamar a atenção. Certamente ao me ver, com o capacete na cabeça, luvas, gorro e com as duas mãos no guidão da bike, ela deve ter pensado: O Que esse louco esta fazendo aqui? E abriu um sorriso, me enchendo de esperança enquanto contornava os cômodos da casa até a porta.
Ela veio até mim com um sorriso simpático falando o idioma local… deixei ela terminar a sentença e disse que não entendia seu idioma. Inglês? Perguntei… Neim! Respondeu… fazendo um sinal negativo com a cabeça e soltando uma risada curta e mais alta.
Quanto tentava explicar o que queria com mímicas, lembrei da cartinha que carrego comigo em russo, com um pequeno resumo do que estou fazendo e solicitando um lugar para acampar… e soltei em tom de pergunta: Russian? Yeeessss… ela respondeu desconfiada e animada, mudando o idioma. Deixei que ela terminasse de novo a frase e fiz um sinal negativo explicando que eu não falava russo, e entreguei a cartinha para ela.
Ela foi lendo e sorrindo! Sorrindo e me olhando! Me olhando e consentindo…. Me convidou para dormir dentro de casa, me oferecendo uma cama com lençóis limpos e coberta. Me ofereceu comida, banho quente de balde, já que suas instalações eram modestas e teve paciência para conversar comigo fazendo desenhos e mímicas. Demos muitas risadas na tentativa de entendimento enquanto o sol continuava com o show lá fora.
Dormi bem! Recarreguei fone e GPS e depois de um café da manhã reforçado, ela me ofereceu um pote grande de geleia de maças, pepinos, maças vermelhas e verdes e um pacote de bolacha. Ela demonstrou tanto carinho que fui incapaz de dizer que aquilo tudo era muito peso para a minha bicicleta. Mesmo assim, deixei metade das maças, um vidro de pepinos em conserva e outro pacote de bolachas para trás.
Era antes da 8:00 h quando cai na estrada e por um bom tempo fui pensando na vida solitária que a Sra. Agita leva. Aí, um pensamento leva a outro, outro e mais outro… Mas isso é assunto para outro post!
Segui forte com o vento “de ombro”, comendo as maças para me livrar do peso extra. Também devorei o pacote de bolacha com metade do vidro de geleia na única parada que fiz antes de chegar em Liepaja, cerca de 80 km da casa da Sr. Agita. Estava alegre e com o objetivo do dia alcançado, depois de um rápido passeio pela cidade, decidi tocar em frente. Era 14:00h, muito cedo para parar!
Segui descendo o mapa até chegar em uma parte da estrada que está em manutenção, com vários trechos sem asfalto, fazendo a bicicleta pular bastante. Minha meta era achar um lugar para dormir perto da divisa com a Lituânia. Aí, dá uma olhada no que aconteceu com o meu bagageiro traseiro…
O incidente aconteceu na entrada de Rucava, uma cidadezinha com aproximadamente 600 habitantes. No supermercado, encontrei por pura sorte, o único mecânico capaz de soldar alumínio da região. E em pouco mais de 15 minutos a bike estava reparada.
Eita sorte da gota serena!
4 respostas
Muito bom ler esses relatos! Prova de que pouco para uns pode ser muito para outros!!!
Adorei! Bjs
É o que sempre digo! bj
Que legal, garanto que você ajudou a diminuir a solidão da D Agita!
Fico feliz que esteja bem! Beijos
E ela a minha! kkkk
BJ sil